A alergia alimentar (AA) é um tema importante em pediatria, pois pode se associar à importante morbidade, com impacto negativo na sobrevida e na qualidade de vida da criança, se não for tratada adequadamente. Trata-se de uma reação adversa à proteína alimentar, mediada por mecanismos imunológicos. A reação adversa ao alimento consiste em resposta clínica anormal, desencadeada pela ingestão de um alimento, sendo classificada em alergia, tóxica ou intolerância. As reações alérgicas são reprodutíveis, desencadeadas por um componente alimentar específico e mediada por uma resposta imunológica específica, que pode ser IgE mediada, não IgE mediada (mediada por células) ou mista (mediada por IgE e por células). A Figura 1 ilustra estes conceitos.
A prevalência da alergia alimentar é difícil de ser estabelecida, pois os estudos aplicam diferentes critérios de inclusão, definições e métodos diagnósticos. Apesar das dificuldades, sabe-se que:
– A prevalência da AA é maior em lactentes e crianças (6% a 8%) e decresce com a idade, acometendo 4% dos adultos.
– Tem ocorrido aumento da prevalência da AA nas últimas duas décadas, especialmente nos países desenvolvidos, o que representa uma “segunda onda” da epidemia da alergia. A “primeira” ocorreu nas últimas décadas do século XX e consistiu no aumento da asma, rinite alérgica e sensibilização por inalação. Atualmente, na Austrália, as reações IgE mediadas comprovadas chegam a atingir 10% dos lactentes.
Pelos motivos descritos, a AA é considerada um problema de saúde pública e um tema importante em Pediatria.
Os alérgenos alimentares mais comuns, responsáveis por 80% das manifestações de alergia alimentar são o leite de vaca, a soja, os ovos, o trigo, o amendoim, as castanhas, os peixes e os crustáceos. Ultimamente, novos alérgenos têm sido descritos como kiwi, gergelim, mandioca, arroz, aveia, banana, entre outros. Em crianças, a alergia alimentar mais comuns é a alergia ao leite de vaca (ALV). A Tabela 1 resume os principais alérgenos alimentares.
A única terapia comprovadamente eficaz até o momento para AA é a dieta de restrição dos alérgenos. Para o lactente com ALV em aleitamento materno orienta-se a restrição leite de vaca e derivados da dieta materna. Naqueles com fórmulas infantis, orienta-se uso de fórmula extensamente hidrolisada (FeH) ou fórmula de aminoácidos (FAA), até 9 a 12 meses de idade ou por um mínimo de seis meses. As fórmulas de aminoácidos são recomendadas nos casos de falha terapêutica com as FeH e, como primeira opção terapêutica, nos casos de anafilaxia, esofagite eosinofílica, FPIES e síndrome de Heiner (Tabela 2). As FAA também podem ser consideradas com primeira opção nos casos graves de enteropatia induzida por proteína alimentar e naqueles que iniciaram o quadro em uso de aleitamento materno exclusivo.
Apesar dos bons resultados com as FeH, nenhuma delas está completamente livre de alérgenos e reações graves, embora raras, já foram descritas com seu uso. O risco de resultado insatisfatório com a FeH é de até 10% das crianças com ALV. Estes pacientes reagem aos alérgenos residuais destas fórmulas, que parecem desencadear, especialmente sintomas gastrointestinais e outros não IgE mediados, embora as reações IgE mediadas também sejam descritas com as FeH. Se os sintomas persistem, mesmo com uso de FAA, outras possibilidades diagnósticas devem ser avaliadas.
Em relação às outras possibilidades de dieta de substituição:
– Quanto a soja, apenas as fórmulas infantis à base de proteína isolada de soja podem se consideradas, com melhores resultados nas reações IgE mediadas.
– Os leites de proteína vegetal (arroz, aveia, amêndoas), são incompletos do ponto de vista nutricional, não sendo recomendados.
– Os leites de outros mamíferos (p. ex.: cabra e ovelha) pela homologia entre as proteínas não estão indicados. O risco de reatividade ao leite de cabra situa-se em torno de 92% dos pacientes com ALV.
Dessa forma, o leite de cabra não é considerado uma alternativa adequada para tratamento da alergia ao leite de vaca.
Referências:
- Carvalho E, Ferreira CT, Silva LR. Alergia Alimentar. 234- 264. In Silva LR, Ferreira CT, Carvalho E. Manual de Residência em Gastroenterologia Pediátrica. 1ª edição. Editora Manole – Brasil, 2018.
- Dirceu Solé, Luciana Rodrigues Silva, Renata Rodrigues Cocco, Cristina Targa Ferreira, Roseli Oselka Sarni, Lucila Camargo Oliveira, et al.Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunologia Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):7-38.
- Dirceu Solé, Luciana Rodrigues Silva, Renata Rodrigues Cocco, Cristina Targa Ferreira, Roseli Oselka Sarni, Lucila Camargo Oliveira, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 2 – Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e ImunologiaArq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):39-82.